Criatividade no mundo Líquido-Moderno

O mundo contemporâneo é marcado por várias transformações, sendo sua principal característica a de questionamento e oposição à lógica da modernidade. Bauman (1997) afirma que esses questionamentos são resultado da busca por estabilidade e as leis imutáveis, priorizando a busca por certezas. Dessa forma, essa busca se tornou inalcançável, e seu alvo considerado alto demais. Assim, a contemporaneidade apresenta o mundo em oposição à modernidade, vendo-o como diverso e mutável, organizando o tempo, o espaço e as relações de uma nova maneira.

Quanto a nova organização de tempo, este passou a ser organizado no “espaço rápido”, onde as mudanças ocorrem em um ritmo acelerado. Essa aceleração provocou a ênfase em valores instantâneos e descartáveis (HARVEY, 1993), e, devido a essa característica de mudanças rápidas, e de certa forma fluida, a contemporaneidade é também denominada por Bauman de modernidade líquida (BAUMAN, 2007).

Essa caracterização, modernidade líquida, deve-se principalmente ao caráter volátil da contemporaneidade, que possui por conta disso, valores transitórios. Todas essas mudanças produzem na vida dos indivíduos perda da autoconfiança, dos objetivos, do rumo. A única certeza que se pode ter é que haverá mudanças e mais mudanças, sendo que a flexibilidade é atributo essencial ao indivíduo nessa época.

Bauman (2007) aponta que essa sociedade vive uma síndrome consumista, promovendo a satisfação imediata e a novidade acima da permanência. Entretanto, o consumo na modernidade líquida não é realizado no sentido de acúmulo, mas sim no descarte, sendo o prazer pelo descarte caracterizado como a paixão líquido-moderna. Nessa sociedade, a estabilidade, compromissos irrevogáveis e situações a longo prazo são considerados pesadelo (BAUMAN, 2007).

O mundo líquido-moderno caminha então em busca de mudanças e descarte, busca-se criar o novo e destruir o que é velho, movendo-se em uma destruição criativa. Bauman (1997), no entanto, aponta que a criação aliada à destruição encerra não somente com produtos, mas com modos de vida e com homens que viviam daquela maneira (BAUMAN, 2007).

Assim, diante dessas mudanças na sociedade, busca-se do homem também esse caráter mutável. Exige-se que o homem seja flexível, que se adapte às mudanças e que tragam novas soluções aos problemas que surgem todo momento, ou seja, exige-se indivíduos criativos (ZANELLA, 2002).

Na sociedade contemporânea, ações criativas podem tão somente ter a função de inserir novas estratégias que ajudem o indivíduo a se adaptar às mudanças desenfreadas do mundo, mantendo no limite o status quo, como também as próprias mudanças que jogam ao “lixo” o que é velho. Parece, então, que a criatividade nessa sociedade toma dois significados: criatividade-adaptação ou criatividade-destruição.

Mas o que é criatividade? A despeito da importância do tema da criatividade na sociedade contemporânea esse conceito não é bem esclarecido. De acordo com Sakamoto (2000), há uma imensa quantidade de trabalhos a respeito da criatividade, no entanto, muitas lacunas sobre o tema. A criatividade, como um fenômeno mental, é assunto próprio da Psicologia. Sendo assim, diversas abordagens psicológicas se pronunciam sobre o tema, dentre elas, a Análise do Comportamento.

O Behaviorismo Radical, a filosofia Análise do Comportamento, defende o tratamento do comportamento como objeto de estudo em si mesmo. Isso significa que os fenômenos psicológicos, em toda sua complexidade, devem ser analisados a partir do comportamento, isto é, em termos das relações inextrincáveis entre homem e mundo. Seguindo esse raciocínio, a criatividade, enquanto um fenômeno psicológico, também deve ser entendida em termos comportamentais. Nessa ótica, a criatividade é discutida em termos de comportamento criativo (CUPERTINO; SAMPAIO, s/d).

Como um comportamento, a criatividade é explicada pelo modelo de explicação do comportamento, a saber, o modelo de Seleção por Consequências. Esse modelo é uma analogia com a teoria da seleção natural de Darwin, e assim como as espécies surgiram de variações ao acaso que foram selecionadas pelas consequências de sobrevivência, a origem do comportamento é semelhante. A lógica parece ser a seguinte: variações que acontecem nas ações, em determinadas circunstâncias, são selecionadas pelas consequências importantes na história de vida do indivíduo (LEÃO; LAURENTI, 2009; SKINNER, 2007).                 Desse modo, a criatividade é entendida como um comportamento resultado da seleção de variações comportamentais; assim, para que ocorra a criatividade é necessária tanto a variação quanto a seleção. Nesse sentido, variações que não são selecionadas não podem ser consideradas comportamentos criativos.

Ainda sobre a importância da criatividade, Skinner (1972, p. 161) declara que comportamentos criativos podem contribuir para a sobrevivência das culturas, isto é, para o desenvolvimento de ações que não coloquem em risco a vida das culturas. Abib esclarece (2001): promover ações que favoreçam a sobrevivência da cultura é “protegê-la de práticas para ela letais como superpopulação, devastação do meio ambiente, poluição e a possibilidade de holocausto nuclear” (ABIB, 2001, p. 108). Ou seja, a práticas que levem às culturas ao pacifismo (ABIB, 2001). Assim, Skinner (1972) parece aliar a criatividade com a ética.

Zanella (2004) também concorda que a criatividade deve ser encorajada pela ética. Ela pontua que a busca por sujeitos criativos não deve ser uma busca comprometida com “a lógica excludente”, mas devemos buscar sujeitos criativos que busquem ser comprometidos com o outro, “que acolham as diferenças que nos conotam e possam com elas conviver, que construam relações sociais pautadas em uma ética da e pela vida” (ZANELLA, 2004, p. 137-138).

Ao voltar à discussão à contemporaneidade, percebemos que a criatividade no mundo líquido-moderno parece ter se apartado das consequências éticas envolvidas em suas práticas.

Faz-se necessário, portanto, uma reflexão acerca das práticas realizadas, pontuando se nossas práticas psicológicas têm contribuído para a manutenção da lógica vigente ou se propõe à reflexão crítica da realidade.

Texto de Natasha C. Southier e Carolina Laurenti

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