“O ESTRESSE É UM ESTADO DE DESARMONIA OU DE HOMEOSTASIA AMEAÇADA, ONDE AS RESPOSTAS ADAPTATIVAS PODEM SER ESPECIFICAS AO ESTRESSOR OU NÃO ESPECÍFICAS E GENERALIZADAS”.
Em uma conceitualização moderna, estresse é a condição que resulta quando as trocas pessoa/ambiente, levam o individuo a perceber, sentir, uma discrepância que pode ser real ou não, entre as exigências de uma determinada situação e os recursos do individuo, ao nível biológico, psicológico ou de sistemas sociais. Constata-se que os acontecimentos traumáticos de vida ou agentes estressores produzem tensão nas pessoas ao nível biológico, psicológico e dos sistemas sociais, surgindo aquilo que se chama de “Reações Biopsicossociais ao Estresse”.
Neste artigo vamos contextualizar algumas dessas situações e oferecer uma forma de pensar no estresse como algo positivo e que fez parte do processo de evolução da raça humana. Boa leitura!
Aspectos biológicos do Estresse
É sabido que um individuo submetido a eventos indutores de estresse, como a proximidade de acidente ou emergência, tem reações fisiológicas próprias a este tipo de situação. Por exemplo, o ritmo cardíaco e respiratório aumenta de imediato e pouco depois os músculos podem tremer, especialmente nos braços e pernas. O organismo é estimulado e motivado para se defender.
Em 1929, o fisiologista Walter Cannon descreveu de forma sucinta a forma como o organismo reage às situações de emergência. Interessou-se nas reações fisiológicas de pessoas e animais, como a resposta a situações de vivencia de perigo. Essas reações foram denominadas de respostas de ataque e fuga (fight-or-fight), porque preparam o organismo para fazer face à ameaça ou para desencadear a fuga.
Nas respostas de ataque ou fuga, a percepção do perigo leva o Sistema nervoso simpático a estimular o Sistema endócrino, notadamente as glândulas suprarrenais, para secretarem adrenalina, que leva à estimulação geral do organismo e potenciam as suas capacidades. Cannon referiu que esta estimulação do organismo pode ter simultaneamente efeitos positivos e negativos. A resposta do ataque ou fuga é adaptativa, porque mobiliza o organismo a responder rapidamente às situações de perigo, mas o estado de elevada estimulação orgânica, pode ser nocivo e prejudicial à saúde se for prolongado.
Ao longo dos anos alguns estudos têm demonstrado cada vez mais a existência de complexas interações bidirecionais entre os sistemas nervoso, endócrino e imune. A habilidade do sistema nervoso central (SNC) em modular o sistema imune tem sido extensivamente investigada e estabelecida. Esta modulação é mediada por uma complexa rede de sinais existentes na comunicação entre os três sistemas, os quais produzem mediadores biológicos que interagem e/ou afetam os componentes celulares da resposta imunológica. Estudos no campo da Psiconeuroimunologia têm demonstrado que a resposta ao estimulo estressor é mediada pela ativação do eixo hipotálamo-pituitário-adrenal (HPA) e pelo sistema nervoso autônomo (SNA), que em desequilíbrio, pode resultar em alterações na resposta imune. Como consequência, há o desenvolvimento de enfermidades, como depressão, câncer e doenças inflamatórias crônicas, além de maior susceptibilidade a infecções causadas por microrganismos.
Relação entre estresse e doenças
A Psiconeuroimunologia tem investigado por décadas a relação entre estresse e desenvolvimento de doenças. Tal relação tem se tornado cada vez mais clara devido ao insistente estudo por parte dos pesquisadores na tentativa de compreender os mecanismos através dos quais o estresse pode alterar e/ou suprimir a resposta imunológica, modulando certos fatores ligados ao sistema imune como a produção de citocinas e a atividade celular.
Tanto o excesso quanto a inadequação da resposta dos hormônios do estresse estão associados com doenças, levando à suscetibilidade a infecções e a doenças inflamatórias crônicas, autoimunes e alérgicas. Assim, a ativação crônica do eixo HPA durante o estresse pode afetar a susceptibilidade ou o grau das doenças infecciosas através do efeito imunossupressivo dos glicocorticóides. Em contraste, a diminuída ativação do eixo HPA está associada com alta suscetibilidade a doenças autoimunes e inflamatórias crônicas. Isto pode ser observado em animais com artrite submetidos à adrenalectomia ou após administração de antagonistas de receptores para glicocorticóides, que apresentaram aumento exacerbado do estado da doença, podendo resultar em morte dos mesmos.
O estresse geralmente induz supressão da resposta imune celular (padrão Th1), não exercendo efeito significativo na imunidade humoral (padrão Th2) e em seus mecanismos efetores. A ativação da resposta Th1 contribui para a imunidade celular enquanto que a ativação da resposta Th2 favorece a atividade mediada por anticorpos.
As células Th1 e Th2 representam duas subpopulações de células T CD4+ que podem ser diferenciadas pelo padrão de citocinas que produzem. As células Th1 produzem IL-2 e IFN-γ, dentre outras, e inibem a proliferação das células Th2. Por outro lado, as Th2 secretam principalmente IL-4 e IL-10, as quais induzem a diferenciação de células Th2 e inibem as de padrão Th1.
Mudanças fisiológicas nos níveis de glicocorticóides circulantes estão associadas com desequilíbrio no padrão de citocinas produzidas. A diminuição da resposta Th1 em relação à Th2 leva a uma maior suscetibilidade a infecções fúngicas, virais e bacterianas, tanto em animais quanto em humanos, sendo esse desequilíbrio considerado o principal fator que leva ao desenvolvimento de doenças infecciosas.
Além da resposta Th2 em infecções, esta também pode estar associada a reações alérgicas, asma, urticária e alergia a alimentos. Doenças autoimunes como lupus eritematoso sistêmico, artrite reumatóide e esclerose sistêmica estão relacionadas com alta produção de prolactina, o que acontece em situações de estresse.
Estudos também relatam que o estresse pode ser favorável quanto à ativação de viroses latentes. Estudantes sob estresse causado por exame escolar apresentaram diminuição no controle imune contra o vírus Epstein-Barr (EBV) e herpes simples tipo 1 (HSV-1) latentes. Diferentes tipos de estresse também podem exercer diferentes respostas fisiológicas quanto às viroses.
A partir destes dados pode-se verificar que agentes estressores afetam a resposta imune, fazendo com que o organismo fique mais vulnerável quanto à sua defesa. O fator psicológico em relação à situação de estresse também deve ser considerado, uma vez que diferentes padrões de comportamento (temperamento, personalidade, etc.) frente ao agente estressor podem afetar o curso da doença de diferentes maneiras .
Mecanismos de adaptação ao Estresse
As pessoas, durante toda a sua vida, vivenciam situações de estresse e tentam lidar com essas realidades de diversas maneiras. A tensão emocional e física que acompanha o estresse é bastante desconfortável e provoca grandes incómodos. É desta maneira que as pessoas sentem que têm de fazer algo para reduzir o seu estresse. Este “algo” que as pessoas fazem, é o que está envolvido nos mecanismos de coping ou de adaptação ao estresse.
O Stress envolve uma discrepância entre as exigências de uma dada situação e os recursos do sujeito perante essa situação. Os mecanismos de coping são processos através dos quais os sujeitos tentam gerir essa discrepância, entre as exigências a que são submetidos e os recursos que possuem, em situações de estresse. É um esforço para reduzir ou neutralizar os efeitos e ou causas do estresse, avaliando as situações, diminuindo as preocupações de determinado sujeito sobre as discrepâncias referidas.
Os esforços de combate ao estresse são variados e não levam necessariamente à solução do problema. Contudo, as pessoas combatem o estresse através de trocas cognitivas e comportamentais com o meio. Muitas das vezes, estas trocas levam os sujeitos a tolerar, aceitar, fugir ou ver de um perspectiva diferente a percepção do fator de estresse.
Os mecanismos de coping, não são um acontecimento único e envolvem trocas continuas com o meio, encarando-se como tal, como um processo dinâmico. Estas formas de combater o estresse, as trocas, são influenciadas pelas anteriores e influenciam as seguintes. Estas formas de adaptação servem duas funções principais, a primeira é tentar alterar o problema que causa a situação de estresse e a segunda, regular a resposta emocional ao problema.
É desta maneira que se pode dizer que o coping focado no problema, refere-se à capacidade de reduzir as exigências da situação de estresse ou de expandir os recursos para lidar com ela. Por exemplo, alguém que deixa um emprego com problemas e tenta um outro tipo de atividade ou trabalho, ou um doente que procura o médico ou psicólogo. Este tipo de atitude face ao estresse é mais utilizada quando o sujeito acredita que a situação pode ser alterada.
O coping focado nas emoções, refere-se ao controlo da resposta emocional perante a situação de estresse. O sujeito pode regular as suas respostas emocionais através de abordagens cognitivas e comportamentais, como negar factos desagradáveis ou vê-los de uma perspectiva melhor, consumir álcool ou drogas, procurar apoio psicossocial, praticar desporto ou desfocar-se do problema. Esta aproximação ao estresse é mais utilizada quando o individuo acredita que nada podem fazer para alterar a situação de estresse.
Considerações finais
A resposta ao estresse é um mecanismo evolutivo de extrema importância para a sobrevivência do indivíduo, uma vez que é através desta resposta que o organismo é induzido a enfrentar ou se proteger contra uma situação de perigo. Esta resposta não consiste de um só fenômeno e sim de diversos efeitos fisiológicos, os quais envolvem a participação de diferentes sistemas: nervoso, endócrino e o imunológico, na tentativa de manter a homeostase do organismo perturbada pelo estímulo estressor. A manutenção da homeostase é importante, uma vez que é necessária para o bom e normal funcionamento do organismo, já que, em desequilíbrio, pode resultar em doenças.
Deste modo, percebe-se o quanto o campo de investigação dos estudos sobre os efeitos do estresse e suas conseqüências no sistema imune é amplo, e, por ser complexo, também pode ser considerado, sem dúvida, intrigante. Não se pode esquecer quão importante é o estresse para a garantia da nossa sobrevivência, somente passando a ser um fator de risco quando o organismo não consegue adaptar-se frente ao estímulo estressor. Muitas terapias relaxantes, como massagens, prática de esportes, dentre outras, estão sendo cada vez mais empregadas e procuradas pelas pessoas nos dias atuais como medidas preventivas contra os males do estresse. Finalizando, é imprescindível o entendimento da funcionalidade do organismo durante o estresse e seu impacto na resposta imune.
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Fonte:
http://www.scielo.mec.pt/pdf/aps/v16n4/v16n4a12.pdf
http://www.uel.br/ccb/patologia/portal/pages/arquivos/Biosaude%20v%2011%202009/BS_v11_n1_DF_57.pdf